Nós humanos gostamos de comunidades, vivemos em sociedade pois precisamos uns dos outros, aprendemos e nos influenciamos. Tanto que costumamos seguir comportamentos da maioria: “todos estão comprando isso, todos estão falando daquilo”, e lá vamos nós checar do que se trata para não ficarmos para trás (o medo de estar perdendo algo, de ser excluído, o FOMO, fear of missing out). Ao mesmo tempo, estar no meio da multidão nos faz desejar sermos especiais. Amamos exclusividade e queremos algo mais: personalização.
Em comunidades menores, o dono de um café sabe o nome de seus clientes e seus pedidos habituais – isso é serviço personalizado, feito para atender a gostos específicos. Personalização é, por extensão, sermos reconhecidos – e recompensados – por nossas ações e preferências. É comum no âmbito pessoal, mas se torna mais complexo à medida que os círculos sociais se ampliam. Na era pré-industrial, sem a produção em escala, o artesanal e o sob medida eram a regra. Hoje, são privilégios.
Personalização, do macro ao micro
Gerar personalização no mundo pós-industrial em que vivemos é um pouco mais complexo, mas a mesma tecnologia que agigantou as escalas de produção e o alcance de bens e serviços pode agora customizar o produto final a uma necessidade específica, particular. Como se a linha de montagem manufaturasse com a precisão do alfaiate. E qual o objetivo disso? Relacionamento com o cliente. O sentimento de que nossas preferências são levadas em conta é poderoso e gera engajamento direto com a marca que o proporciona, não importa o tipo do programa de fidelidade.
No fim do ano passado, em entrevista ao podcast Engajadores, deste TSI, o vice-presidente executivo de Estratégia e Inovação da agência canadense Bond Brand Loyalty, Sean Claessen, disse algo com que eu concordo: “Onde preços, produtos e serviços são quase os mesmos, é o relacionamento que fará a diferença; e personalização é como vitamina D: eu não sei quanto preciso, mas quero sempre mais”.
A mesma Bond Brand lançou o relatório The Pursuit of Personalization, no qual constata que a satisfação do cliente aumenta 6,4 vezes quando há personalização, mas aponta também que apenas 22% dos 55 mil entrevistados estavam satisfeitos com a personalização gerada. O motivo é que, hoje, apesar de as companhias coletarem muitos dados, elas não utilizam esse insumo adequadamente – analisando-o e transformando-o em informação. As falhas começam por itens básicos e que não demandam grande investimento: usar nome e sobrenome do cliente e produzir réguas de comunicação relevantes em seus programas de fidelidade.
Inteligência artificial, ganhos reais
Algumas marcas, porém, estão na ponta de lança da personalização, utilizando inteligência artificial para promover uma experiência do cliente realmente única. Quem não conhece os cases da Deezer ou Amazon, por exemplo? Essas são algumas das companhias que geram e oferecem conteúdos para seus consumidores baseados em sua utilização das plataformas. Quanto mais ele usa o produto ou serviço, mais a máquina conhece suas preferências, indicando conteúdos afins e relevantes, num moto-contínuo usuário-marca.
Essa personalização é possível para produtos mais tangíveis? A L’Oréal acredita que sim. No início do ano, durante a Consumer Electronic Show 2020 (um dos maiores eventos de tecnologia do mundo), nos Estados Unidos, a companhia apresentou o projeto Perso, um pequeno aparelho (e um sistema) com três cartuchos de cremes e cores que utiliza inteligência artificial para produzir cosméticos e produtos de cuidado com a pele específicos para cada cliente e clima.
O Perso irá se conectar via bluetooth com o smartphone do dono, mapear seu rosto e avaliar condições climáticas e ambientais. A partir daí e das preferências do consumidor, ele irá produzir maquiagem personalizada, com cores geradas na hora, incluindo batons que combinem com a roupa do dia. É o futuro prometido nas ficções científicas finalmente ao alcance das mãos (devidamente hidratadas, claro) – em fase de testes, esse sistema deve ser lançado em 2021.
Somos bilhões e somos únicos
Quem também investe na personalização é a Nike, que deseja que seus 790 milhões de pares de calçados vendidos todos os anos tenham a cara de seus donos. O relacionamento com clientes – que inclui até um serviço de tênis por assinatura para crianças, com direito a caixa customizada – agora permite que eles criem seus próprios modelos. Não apenas escolher cores, mas o tipo de solado, amortecimento, material. O projeto Nike by You nasceu há dois anos com uma loja no Soho nova-iorquino, onde se montava o tênis em uma hora, uma evolução, digamos, da iniciativa NikeiD, que há cerca de 15 anos possibilitava aos compradores gravarem seus nomes nos tênis. Hoje, há uma versão online do Nike by You, no qual o calçado é produzido e enviado ao cliente em 2 a 5 semanas.
Em geral, as gigantes costumam largar na frente, dado o alto investimento em tecnologia, mas isso não quer dizer que personalização seja um fator apenas para as grandes marcas e seus programas de fidelidade. Para os pequenos e médios, apostar no olho-no-olho e no relacionamento é mais barato do que se imagina. Mesmo uma cadeia de cafés do tamanho da Starbucks utiliza técnicas simples, como chamar o cliente pelo nome, anotado, aliás, em seu café. Pois assim é a natureza humana, queremos ir à cafeteria, ver gente, fazer parte da comunidade – mas sermos tratados como o que somos: únicos.