O que você gosta, a qualquer hora, em qualquer lugar. Quando a própria natureza do serviço gera esse nível de personalização – com preço acessível -, a aprovação é garantida. Isso explica o sucesso crescente dos serviços de streaming de filmes. Mas quando mais e novos concorrentes oferecem o mesmo pacote, como destacar uma marca? Enquanto especialistas apontam a produção de conteúdo exclusivo, os catálogos próprios, como a solução, a fidelização para o streaming pode ser o diferencial para engajar clientes.
A seara do video on demand é gigantesca e disputada ferozmente na chamada guerra do streaming. No ano passado, seus contratos de serviços bateram os de TV por assinatura globalmente: segundo a Motion Picture Association of America (MPAA), foram 613,3 milhões de assinantes de streaming contra 556 milhões de clientes de TV, um crescimento de 27% em relação a 2017. É uma briga de cachorros grandes: estúdios de cinema e canais de TV decidiram não mais ser meros fornecedores de conteúdo e criaram (ou estão em vias de) suas próprias plataformas.
Presente em 190 países, e com 150 milhões de assinantes no mundo todo, a Netflix é a empresa a ser batida neste mercado. Uma das pioneiras no streaming no longínquo 2007, ela foi no caminho inverso aos dos estúdios, começando como um intermediário para, então, bancar suas próprias produções ou parcerias (apesar de experiências anteriores, foi em 2013 que ela se consolidou como produtora, com a série House of Cards). Em 2018, a companhia investiu quase US$ 13 bilhões em produções originais, mais do que qualquer estúdio de Hollywood, segundo a revista britânica The Economist.
Segmentação e relacionamento
É para mudar esse quadro que os estúdios resolveram bancar seus streamings. A Disney+ terá todo o catálogo do estúdio e mais o da 20th Century Fox (incluídas novas séries da franquia Star Wars); a Warner virá com o HBO Max (a HBO é a criadora de Game of Thrones e irá a contar com a série Friends a partir de 2020); até o fim do ano, a Apple TV+ entrará em operação, também com conteúdo próprio; a Amazon Prime Video terá, em 2021, uma série baseada em O Senhor dos Anéis. E há ainda Youtube, Hulu…
A busca por conteúdos exclusivos não é preocupação apenas dos peso-pesados estrangeiros. No Brasil, a GloboPlay possui o licenciamento da emissora carioca, um catálogo nada desprezível. Até pequenas plataformas buscam se diferenciar, por meio de segmentação e nichos. Canais como Darkflix, especializado em filmes de terror; Oldflix, com séries e filmes antigos, apostando na nostalgia; e Vídeo nas Aldeias Filmoteca, com documentários sobre povos indígenas – muitos deles produzidos pelos próprios.
Não há dúvida de que os catálogos são os carros-chefe. Mas se você curte filmes de horror, cavaleiros Jedi, super-heróis e documentários sobre indígenas irá assinar todos os serviços? O tsunami de conteúdo pode não se traduzir em assinaturas por questões de tempo e dinheiro. A possibilidade de uma bolha no setor é real e, segundo especialistas, não está muito distante. É aí que o relacionamento com o cliente será importante, com a fidelização como diferencial, criando experiências e personalização.
Experiência sob medida
A quantidade de dados gerada pelos usuários nestas plataformas é enorme e uma ferramenta formidável, se bem analisada. A Netflix tem feito isso com certa competência – e a curadoria de conteúdos a partir das escolhas dos clientes é apenas a face visível. Com base nas reações dos usuários (abandono de uma série ou filme em determinado episódio ou parte), a plataforma consegue feedbacks acurados, gerando insights para próximos conteúdos – sejam aquisição de parceiros, sejam produções próprias.
E a experiência começa na largada. Especialista no setor de pagamentos e comércio online, o site norte-americano Pymnts publicou em junho The Subscription Commerce Conversion Index-SCCI (Índice de Conversão no Comércio de Assinaturas), baseado em uma pesquisa com 2.153 consumidores nos Estados Unidos. Segundo os usuários de serviços de streaming, a experiência inicial, a facilidade de fazer a assinatura, contribuiu para o nível de satisfação do serviço (90,7%), provando que user experience (UX) gera resultados.
Outro dado importante do relatório: apenas as gerações Z e Millennials (de 10 a 40 anos) respondem por mais de US$ 10 bilhões em faturamento do setor nos EUA. Em uma entrevista para nosso podcast Engajadores (no ar dia 16 de outubro), o vice-presidente executivo de Estratégia e Inovação da agência canadense Bond Brand Loyalty, Sean Claessen, falou sobre essas gerações. “Eles são muito mais focados em componentes da experiência e estão interessados em trocar algumas de suas informações e preferências por uma experiência feita sob medida. E isso gera diferenciação entre as marcas”.
Muito além do conteúdo
Avisos bem-humorados das plataformas de streaming para usuários não exagerarem no binge-watching (quando os fãs assistem a vários capítulos seguidos) são bem-vindos, mas as comunicações devem ser relevantes. Ao cruzar dados, essas empresas sabem não apenas os gêneros e filmes prediletos mas os atores favoritos dos clientes. Informá-lo sobre outros conteúdos e novas produções é básico. A gamificação pode ser um tática: pré-estreias de conteúdo exclusivo como recompensas por meio de quizzes e pontos ou para cinéfilos de plantão e heavy users.
A Disney, por exemplo, possui um know how considerável com seu canal na TV e campanhas do Disney Club. Também são muitas as possibilidades envolvendo promoções de sua futura plataforma de streaming com seus parques temáticos (o universo do estúdio hoje inclui não apenas os personagens de Mickey Mouse e princesas mas também os blockbusters Toy Story, Star Wars, Avatar e Piratas do Caribe, entre outros).
Conteúdo de qualidade, variedade e preço são importantes. Mas quando as opções no mercado se equivalem, será a experiência ofertada ao usuário que irá fidelizá-lo. Para o consumidor, saber que suas decisões são importantes e levadas em consideração conta muito. Com isso e mais os dados gerados pelos próprios usuários, os canais de streaming podem impulsionar a personalização a novos patamares e criar uma relação cliente-marca tão cativante quanto as séries e filmes em seus catálogos.