Fidelidade, incentivo ou loyalty? Tanto faz, o que importa é o resultado

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Enquanto os mercados britânico, canadense e norte-americano parecem ter adotado a palavra “Loyalty” para designar estratégias de relacionamento entre empresas e seus públicos, no Brasil ainda estamos vivendo certa crise de identidade. Qual palavra usar? Fidelização, fidelidade, incentivo ou loyalty?

Houve uma época em que – diante de públicos menos técnicos, leia-se família e amigos –  eu tentava me esquivar da pergunta “com o que você trabalha?”. Seguindo essa frase, sempre vem o pânico, o terror, aquela angústia que sentimos quando sabemos que vamos precisar levar uma hora para nos fazer entender por alguém -e estou certo de que compartilho esse sentimento com muitos colegas da área. 

Exageros à parte, hoje percebo que programas de fidelidade, programas de pontos ou campanhas de incentivo são expressões muito restritivas para representar o que acontece na realidade do nosso business. A tendência é que palavras como estratégia, cultura, engajamento e resultado façam cada vez mais sentido no nosso contexto, por terem conotação decisiva no que diz respeito ao sucesso das ações que visam motivar e fidelizar pessoas.  

Toda empresa precisa de um programa de fidelidade, incentivo ou loyalty uma estratégia de relacionamento

Depois de muitos anos trabalhando neste mercado, pode até parecer um contrassenso chegar aqui e dizer: nem toda empresa precisa oferecer um programa de fidelidade para seus clientes. Ainda assim, digo isso sem sentir que estou “atirando em meus próprios pés”. Para explicar como cheguei a essa conclusão, separei dois exemplos:

A padaria do José

A padaria do José está aqui para representar todos aqueles pequenos comércios de bairro (lojas, mercados, padarias, bares e restaurantes) em que você sempre sai satisfeito com o atendimento.

Ainda que, na maioria das vezes, suas sabedorias não sejam celebradas em grandes sites e revistas, em algum momento do planejamento desses empreendimentos, muitos Josés espalhados pelo Brasil tomam decisões importantes que podem significar o sucesso de seus negócios. O José sabe que ele tem um excelente produto (comida de qualidade) e que gostaria que seus clientes se sentissem em casa (bom atendimento). E, enquanto a padaria do José estiver neste tamanho, tudo que ele oferece para o seu público é personalizado, o que aqui significa apenas que ele conhece todo mundo do bairro.

Considerando tudo isso, será que a padaria do José precisa de um programa de fidelidade (ou loyalty) para seus clientes? É muito provável que não. Mas isso não significa que pequenas empresas não precisem de um programa de fidelidade. Significa apenas que, enquanto o José conseguir entregar relevância e personalização com as ferramentas que ele tem em casa, esta é sua estratégia de relacionamento e, por ora, ela é extremamente eficaz.

 A Apple

Recentemente, me surpreendi ao entender que um detalhe de sucesso da estratégia de negócio da Apple foi pensada muitos anos antes de você poder ter um iPad em mãos. Os produtos e serviços oferecidos pela companhia se complementam de um jeito que não abre espaço para que o cliente saia vagando em busca de novas soluções. Compre um Apple Watch e acesse o Apple Maps, faça pagamentos com o Apple Pay, utilize-o como controle remoto da Apple TV. É esse controle do processo que permite que uma vez que você entrar no círculo de benefícios e comodidades oferecidos pela empresa-  que você só percebe como vitais quando tenta usar produtos de diferentes marcas- vai ser muito difícil abandonar.

Junte isso a uma marca forte representando uma empresa que exige padronização e excelência de serviços em todos os pontos de contato com o cliente e você terá a estratégia de relacionamento da Apple. E aí eu repito a questão: essa empresa precisa de um programa de fidelidade tradicional, com pontos, prêmios e métricas de resgate? Talvez não. A estratégia de fidelização da Apple pode muito bem se chamar iTunes, iPhoto e, mais precisamente, integração. 

E é aqui que entra a primeira das três palavras importantes que mencionei acima: estratégia.

Não existem milhões de empresas como a Apple e nem toda companhia terá condições de ter o simpático José recepcionando seus clientes de braços abertos. O que quero dizer com isso é que um programa de loyalty precisa estar alinhado com os objetivos de negócios da companhia. Tendo esse objetivo muito bem definido dentro da estratégia de relacionamento com clientes (internos ou externos), pode ser necessário a criação de um programa de fidelidade para consumidor final, ou um programa de incentivo para canais e colaboradores, ou ainda, os dois.

O Melhor Programa do Mundo para as Melhores Pessoas do Mundo

Dentro do processo de diagnóstico que utilizamos para definir qual estratégia deve ser adotada para a fidelização de públicos, existe um detalhe comumente ignorado: como a organização funciona por dentro.

A cultura de uma empresa é definida por hábitos, código de ética, comportamentos, políticas internas e externas. Pode até ser inconsciente, mas, para um colaborador que acabou de entrar em uma companhia, a primeira coisa que ele procura conhecer, antes mesmo até de tentar entender como ele irá realizar suas tarefas, é qual a cultura daquele local. Como as pessoas costumam se comportar no ambiente de trabalho? Como elas se relacionam com seus líderes, e como esses se comportam? É um ambiente colaborativo? Sério? Descontraído? As pessoas se vestem de um jeito formal ou informal? Elas vão juntas almoçar? Oito horas é oito horas, ou oito e quinze é aceitável? 

Esse tipo de informação pode passar despercebida pelas pessoas que irão planejar a estratégia de relacionamento da empresa, mas não deveria, pois, o sucesso ou fracasso de um programa de fidelidade, incentivo ou loyalty também está relacionado com o engajamento de todos que em algum nível estão envolvidos no projeto. 

Recentemente, assumi o cargo de CEO da Valuenet – empresa que oferece serviços de consultoria, planejamento e operação de estratégias de fidelização e incentivo- e fui apresentado ao MPM, programa de relacionamento para colaboradores da empresa. Trago ele aqui como exemplo de como a cultura de uma companhia pode ser vital no processo de planejamento de uma estratégia. 

 

O MPM 

Um programa em que os participantes se desafiam a desvendar mistérios, compartilham momentos marcantes e divertidos de suas vidas.

Essas são algumas das mecânicas do MPM ( Melhor Programa do Mundo) que foram pensadas dentro de um contexto específico e necessidade única: como criar um programa de relacionamento para as pessoas que planejam e operam programas de relacionamento? O segundo desafio da Valuenet era geográfico. Temos dois escritórios: um em Florianópolis e outro em São Paulo, além das pessoas alocadas em outras cidades do Brasil. Tem gente que trabalha há dois anos juntos e nunca se viu pessoalmente. 

O Melhor Programa do Mundo para as Melhores Pessoas do Mundo surgiu, assim, com o objetivo de criar ambientes de trabalhos mais felizes e aproximar as pessoas que fazem a história da empresa.  Eu poderia até falar bem mais sobre MPM, mas não farei isso agora. Primeiro, porque dentro da Valuenet há pessoas melhores qualificadas para contar essa história e, segundo, porque o ponto que quero trazer aqui é o seguinte: o MPM e as mecânicas que mencionei acima funcionam porque foram pensadas considerando a cultura da empresa, que tem um ambiente descontraído, com líderes acessíveis, etc. Contudo, se usarmos o MPM como molde para criação de um programa de incentivo para colaboradores de uma multinacional, por exemplo, há uma grande chance de que o programa não engaje o público e, consequentemente, não alcance os resultados esperados.

Relacionamento como estratégia para alcançar resultados

Qual resultado uma empresa busca alcançar quando pensa em uma estratégia de relacionamento? Em um conteúdo, recentemente publicado aqui no TSI, foi apresentado um dado de uma pesquisa realizada pela Febrafar em 2016 que diz que 80% dos respondentes colocam o atendimento como fator decisivo na hora de escolher uma farmácia. Em posse deste dado, podemos assumir que se o resultado que uma rede de farmácias deseja alcançar com uma estratégia de relacionamento é a retenção de clientes, talvez, antes de investir em um programa de fidelidade para o consumidor final, seja necessário motivar e engajar os balconistas dessas lojas.

O exemplo de fidelização de clientes em farmácias mostra o quanto caminho pode não ser linear.

O resultado é aquilo que a empresa busca alcançar com a estratégia de relacionamento. E ele, dividido em objetivos menores, é quem vai ajudar a definir qual será a estratégia eficaz para todos os envolvidos. Se será um programa de pontos; se as ações vão envolver programas de coalizão; se será necessário pensar em um clube de vantagens; ou ainda, se será um programa de relacionamento, sem pontos, apenas com comunicação personalizada.

Fidelização, fidelidade, incentivo ou loyalty?

Diante deste cenário, acredito que seria muita ingenuidade da nossa parte pensar que uma palavra pode representar todas as nuances envolvidas em uma estratégia de relacionamento. Confesso que no meu dia a dia, vocês vão me ouvir falando Loyalty, palavra inglesa que significa lealdade. Não porque eu gosto mais do inglês ou porque a palavra soe mais bonita, mas porque dentro do contexto em que ela costuma ser empregada, seu significado é mais abrangente e me parece mais próximo daquilo que citei acima “relacionamento como estratégia para alcançar resultados”.

Em resumo, ainda que essa confusão de termos criada por todos nós que fazemos parte deste business possa confundir um pouco o leitor mais distraído, no final, o que queremos fazer mesmo é aproximar empresas e pessoas, de forma estratégica e visando grandes resultados.  workshop sobre fidelização

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Julio Quaglia

Empreendedor e gestor com mais de 25 anos de experiência em CRM, Loyalty, Analytics e Business Intelligence. É CEO da Valuenet, empresa que oferece serviços de consultoria, planejamento e operação de estratégias de fidelização e incentivo. Júlio também é sócio da Data Motion e professor de CRM no IED, disciplina que também já lecionou na ESPM.