42% dos entrevistados não têm qualquer interesse na Copa do Mundo de 2018.
Arrisca afirmar em que lugar do mundo essa pesquisa* foi realizada? Poderia muito bem ter sido nos Estados Unidos, certo? Não é o esporte principal do País. Então faria sentido que quase metade da população não estivesse interessada no evento. Assim como também poderia ter acontecido no Catar, próxima sede da Copa. Suas temperaturas elevadas em boa parte do ano não favorecem a vontade de correr quilômetros ao ar livre. Por isso, seria perfeitamente aceitável que a população desse país não estivesse contando os dias para o início do Mundial da Rússia.
Mas esse dado é o resultado da pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Transporte. Aqui do Brasil mesmo! Ela mostrou que uma parte significativa da população não tem tanto interesse nessa edição da Copa. Esse número fica um pouco pior quando notamos que 58% das pessoas que se disseram interessadas no evento, apenas 27% afirmaram estar realmente empolgadas com o início mesmo.
Álbum de figurinhas
Completamente alheio aos burburinhos da discórdia e dos reais motivos que podem ter causado essa estranha falta de empolgação do brasileiro, está ele. O famigerado álbum de figurinhas da Copa 2018. Enquanto o Mundial não começava, e a atmosfera menos feliz parecia indicar um fracasso de engajamento de uma das mais tradicionais ações de relacionamento da Copa – compra, venda e troca de figurinhas – eis que surgiram os old millennials para salvar aquela sensação de “a Copa está chegando, tudo vai ser legal por um tempo”. Será?
Os old millennials
Millennial é como é chamado alguém nascido entre 1979 e 1995. São pessoas que já nasceram com acesso ou que tiveram contato precoce com computadores, smartphones e internet. O entendimento há até bem pouco tempo era de um grupo homogêneo, com características e anseios bem parecidos.
Diferenciam-se da geração passada (a Geração X – nascidos entre 1965 e 1978) não só pela necessidade de acesso à informação. Mas também pela liberdade de escolha e por valorizar mais as experiências do que os bens materiais. Contudo, segundo o relatório divulgado no ano passado pelo Google Brasil, existe uma grande diferença entre os membros da geração millennial, e isso tem tudo a ver com tecnologia e informação.
Segundo o estudo, existem mais elementos dividindo essa geração do que unindo. Os nascidos na primeira parte do período têm comportamento diferente dos que nasceram com a revolução tecnológica em estado mais avançado. São aqueles que tiveram a primeira infância nos anos 1980 e adolescência nos anos 1990.
Em 2007 surgiram os primeiros smartphones que reforçaram a cultura da velocidade, do imediatismo e dos micro-momentos, seguidos pelo medo constante de estar perdendo algo. Dossiê BrandLab: The Millennial Divide, 2017.
Principais diferenças entre os old e young millennials
- Os old millennials viveram parte de suas vidas sem internet, só tiveram acesso à smartphones na fase adulta da vida e foram surpreendidos com a recessão econômica;
- Já os young millennials têm uma relação diferente com a tecnologia, pois já nasceram conectados à internet, já conheceram o mundo com dificuldades econômicas e as redes sociais fazem parte de suas vidas desde a época da escola.
E ainda há uma característica muito específica dos old millennials que têm tudo a ver com o Álbum da Copa do Mundo: a nostalgia.
Ainda considerando informações do estudo do Google, os old millennials consomem mais conteúdo da década de 90 do que qualquer outra faixa etária. Séries como Stranger Things e filmes como It: A Coisa, ambientadas nos anos 1980 e com elementos fortes da cultura jovem dessa época, não estão fazendo sucesso à toa. É bem característico dessa faixa etária a sensação de saudade idealizada.
O fabuloso álbum de figurinhas da Copa do Mundo
Também não foi à toa que “trocar figurinhas” se transformou em uma expressão popular e com conotação tão positiva. O álbum de figurinhas da Copa do Mundo é uma tradição de quase 50 anos. Durante muito tempo foi sinônimo de intervalos escolares animados. Hoje, eles também atraem o público adulto que formam grupos da internet em busca de pontos de troca e venda. Só no site Encontro de Figurinhas da Copa, que foi criado a partir de um grupo no Facebook, há eventos fixos para troca de figurinhas em pelo menos 27 cidades do País!
A estratégia de marketing da Panini, empresa responsável pelo álbum, é bem diversificada. Inclui a distribuição de álbuns para influenciadores, em escolas e um aplicativo para smartphones que permite que o usuário controle suas figurinhas e compartilhe suas listas com os amigos, o que acrescenta um apelo maior para a geração millennial, sempre conectada.
Conseguir todas as figurinhas da Copa não é nada barato. Atualmente, um pacote sai por R$ 2, o dobro do preço no último Mundial. Em um comparativo com as últimas Copas, o número necessário para completar o álbum também aumentou e muito. Por exemplo, na Copa da Espanha em 1982, eram 487. Em 2018, são 682! Mas esse não é o número mágico para completar o álbum deste ano. Isso porque há figurinhas repetidas, o que faz necessária toda a dinâmica de trocas entre amigos e desconhecidos. Segundo o estatístico Marcelo Leme Arruda**, se o torcedor não trocar ou encomendar as figurinhas faltantes para editora, precisará desembolsar em torno de R$1.937,69. Isso sem contar o preço do álbum.
Os old millennials salvaram o álbum da Copa?
Eles são uma das principais forças no mercado de trabalho. Ou seja, eles têm mais chances de arcar com as despesas citadas acima. Além disso, neste momento, grande parte dessa geração está passando por momentos de suas vidas que exigem maturidade. Tomar decisões como buscar ou trocar de emprego, viajar ao exterior, comprar um apartamento ou ter o primeiro filho. Então para amenizar o sentimento de angústia por precisar “agir como adultos”, os old millennials frequentemente buscam por pausas e entretenimento.
O termo satisfying video (tipo de vídeo que causa sensação de satisfação e relaxamento) tem mais de 2.3 milhões de resultados no YouTube. Fonte: Think With Google
Muitos jovens adultos nesta faixa etária podem ter encontrado no álbum de figurinhas da Copa uma recompensa emocional bem mais satisfatória do que o próprio Mundial. Fazem isso em busca de distrações saudosistas por natureza.
Por falar em conexão emocional, esse parece ser o tópico mais importante para o grande público quando o assunto é Copa do Mundo. 43% dos brasileiros que já estavam se planejando para a Copa da Rússia no início de junho afirmaram que manter a casa arrumada para receber os amigos é a principal preocupação. Dois entre dez entrevistados pelo Google, responderam que receber os amigos é a melhor parte da Copa.
Corroborando com essa afirmação, há outros dados coletados durante a Copa do Brasil em 2014:
- A palavra “churrasco” foi 101% mais buscada no Google do que o jogador brasileiro Daniel Alves;
- “Carne” teve 20% mais buscas que o jogador argentino Messi;
- “Cerveja” teve 12% a mais de buscas que o jogador português Cristiano Ronaldo.
Assim como acontece no Campeonato Brasileiro de Futebol, o fator engajamento tem ganhado uma forcinha de estratégias que visam o relacionamento entre os torcedores, como já comentamos sobre o fenômeno do Cartola FC no Brasil.
Pode até ser que os old millennials não tenham precisado salvar o álbum da Copa. Talvez o engajamento dos torcedores brasileiros com o álbum tivesse se mantido. Mesmo com o clima menos animado para o evento. Pode ser.
Mas dificilmente teria sido o mesmo sem acrescentar à estratégia tradicional um maior apelo para toda a geração millennial (em especial, para os old), como é o caso do aplicativo que melhora a experiência e permite mais interação entre os colecionadores e dos kits corporativos comercializados para empresas. Ou seja, é o incentivo à interação entre pessoas que garante o sucesso do álbum.
Levando tudo isso em conta, deixamos uma pergunta para reflexão: como sua empresa está se relacionando com os millennials?
Para saber mais: Dossiê Brand Lab: The Millennial Divide
* Pesquisa CNT (Confederação Nacional do Transporte) realizada entre 9 e 12 de maio de 2018- rodada 136.
Consideramos, para este artigo, dados divulgados pelo Nexo Jornal em 1º de junho de 2018.
**O estatístico Marcelo Leme Arruda falou em entrevista à Veja. (Artigo publicado no dia 18 de abril de 2018).