Entrevista exclusiva: Criador do Loyalty & Awards fala sobre fidelização no Brasil e no mundo

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Foi preciso quase 20 edições do Loyalty & Awards pelo mundo para que o suíço Ravindra Bhagwanani, managing director da Global Flight e idealizador do maior evento de fidelização na indústria de viagens, decidisse que estava na hora de embarcar para o Brasil. O encontro, finalmente, ocorreu, em outubro, no Rio de Janeiro, reunindo mais de uma centena de profissionais do setor (confira aqui a cobertura do TSI).

“Depois de 19 anos, é a primeira vez não apenas no Brasil, mas a primeira vez na América Latina. Então, é meio que vergonhoso pra nós, eu admito”, brincou Bhagwanani, em entrevista exclusiva que nos concedeu durante o Loyalty & Awards, completando: “Mas nós sabíamos que havia pérolas escondidas por aqui e queríamos que elas fossem descobertas, providenciando um público para elas”.

Apaixonado por aviação civil – ele é engenheiro aeronáutico com mestrado em transporte aéreo -, Bhagwanani criou a Global Flight em 1996, ao perceber o filão da gestão de programas de fidelidade para passageiros frequentes. “Dessa atividade, em 2005, realizamos a primeira conferência. A ideia era unir a indústria, porque isso não existia. Hoje, é, de fato, o ponto de encontro anual da indústria de fidelidade em viagens, onde compartilhamos ideias, fazemos networking e reunimos somente o melhor dos melhores”.

entrevista loyalty awards

Entrevista Loyalty & Awards

Confira a seguir nosso bate-papo com o especialista Ravindra Bhagwanani:

Por que você escolheu o Brasil para esta edição do Loyalty & Awards?

Ravindra Bhagwanani – Bom, acho que você deveria perguntar por que não viemos ao Brasil antes, porque depois de 19 anos, é a primeira vez não apenas no Brasil, mas a primeira vez na América Latina. Então, é meio que vergonhoso pra nós, eu admito. Mas escolhemos o Brasil este ano por dois motivos: número um, queremos que cada evento, a cada ano, seja entre continentes. Então, no ano passado estivemos na Europa, este ano teria que ser nas Américas. E nós temos uma forte parceria com a Accor, por isso damos prioridade às suas propriedades. Mas nos EUA os preços dos hotéis subiram dramaticamente. Simplesmente não era acessível para nós. Então, havia o ponto de vista orçamentário.

Número dois: o Brasil é um dos mercados mais desenvolvidos quando se trata de programas de fidelidade, não só na indústria de viagens, mas na indústria em geral. Portanto, há muitos programas interessantes por aqui, ideias interessantes, que deveríamos antes de tudo levar a um público mais internacional. Porque, tradicionalmente, se você pensar em programas de fidelidade, muitas pessoas da indústria, erroneamente, não vão olhar necessariamente para o Brasil. Falam sobre a Austrália, falam sobre o Reino Unido, talvez sobre os EUA, mas não necessariamente pensarão no Brasil. Mas nós sabíamos que havia pérolas escondidas por aqui e queríamos que elas fossem descobertas, providenciando um público para elas. O que não significa que 100% da agenda seja brasileira. Temos mexicanos, temos europeus, temos o mundo inteiro aqui, mas há uma justificativa para termos vindo ao Brasil: existe um mercado local.

Segundo o Mastercard Travel Industry Trends 2023, viajantes da América Latina e do Caribe irão para os EUA, Espanha e Alemanha. Programas de fidelidade poderiam ser mais ativos ao incentivar locais e turismo doméstico, por exemplo, trabalhando em conjunto com cidades e setor público?

Ravindra Bhagwanani – Sim, com certeza. Este é um potencial inexplorado na fidelização de viagens em geral, porque todos trabalham isoladamente. Há muito pouca cooperação entre programas de fidelidade de companhias aéreas. E como um passo lógico seguinte, obviamente, seria ter parceiros de destinos. Então, eu fico um pouco surpreso por vermos tão poucas iniciativas nisso. Claro, o problema da perspectiva do programa de fidelidade é que você tem potencialmente centenas de parceiros de destino para trabalhar.

E esses parceiros, em geral, são agências governamentais, que, muitas vezes, não são as mais ativas. Portanto, há muito esforço a ser feito se você quer realmente isso do jeito certo. E eu acho que os departamentos jurídicos são muito preguiçosos ou estão muito confortáveis pra irem atrás. Mas, basicamente, eu concordo que, no papel, existe um grande, grande potencial nisso. Eu acho que seria aconselhável para um programa de fidelidade cobrir alguns destinos, não a rede toda, claro. Digamos que os latino-americanos vão para Munique, por que não, em cooperação com Berlim, dizer “nós temos algo a oferecer também”? Nós vemos muito pouco disso.

O Leisure Travel Trends Study mostra a importância dos programas de fidelidade para os hotéis. 65% dos viajantes a lazer pesquisados indicaram que os programas influenciariam suas decisões de reservas. Como um programa pode ser relevante assim?

Ravindra Bhagwanani – Oferecendo as vantagens que as pessoas querem, simples assim. Os programas de fidelidade de hotéis ou de companhias aéreas são em sua maioria gratuitos, não nos custam nada. E você vai receber algo entre 2% e 10% em retorno, ou até mais se for um viajante premium. Isso é algo que motiva as pessoas. Muitas delas obviamente assinam os programas porque eles não custam nada, mas muitas vezes, se você não for um usuário frequente, vai chegar a 2%, mas 2% de US$ 100 não é a mesma coisa que 2% de US$ 10.000. Portanto, se você não tiver um gasto inicial, óbvio, não irá obter necessariamente grande valor desses programas. Eu acho que o sujeito entende que gastando apenas US$ 100 por ano ele não irá conseguir nada de realmente relevante daquilo. Ele pode estar disposto a pagar US$ 1 ou US$ 2 a mais em comparação com alguém que não tem um programa de fidelidade, mas ele não gastará 50% mais.

Um tema que parece estar sendo subestimado são os efeitos das alterações climáticas. Um artigo interessante da HBR toca em parte desta questão no que diz respeito à abordagem das empresas aos incêndios florestais. Você avalia os impactos das mudanças climáticas na indústria de viagens?

Ravindra Bhagwanani – Sim, é algo que está na mente de todos. Mas eu penso que, como indústria, nos falta uma certa franqueza nessa área. Então, eu acho que há dois fatos: primeiro, como todos dizem, as viagens não são o principal contribuinte para os problemas de poluição. O que é verdade, mas em vez de defender a situação tal como está, a indústria está tentando criar todos esses esquemas de compensação de carbono e tal. Mas no final das contas, não importa o que você faça, viagens não são sustentáveis. Isso é um fato. E eu acho que a indústria deveria estar preparada para aceitar isso. Se eu viajo por alguns dias da França para o Brasil para fazer uma conferência, e convido pessoas de todo o mundo, isso não é sustentável. Mas, às vezes, há uma necessidade. A sustentabilidade é importante, mas não é a única variável para certas organizações.

E segundo: eu acho que nós, como indústria, faríamos bem em mudar o foco da discussão para os aspectos positivos com que contribuímos, como o crescimento do PIB, a facilitação do comércio internacional e a criação de empregos na indústria do turismo, em vez de argumentar que contribuímos com apenas 2% ou 3% das emissões de carbono e que na verdade isso nem é tanto e nós compensamos e assim por diante. Precisamos sair dessa posição defensiva no terreno da sustentabilidade e olhar para o impacto positivo que temos nas sociedades em geral.

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A recém-divulgada pesquisa do TSI mostra que, no Brasil, as questões ESG estão ganhando força muito rapidamente. Por exemplo, com diversos fatores afins que fariam o consumidor abandonar uma marca preferida e experimentar outra. Os programas de fidelidade podem colaborar com isso?

Ravindra Bhagwanani – Bom, mais uma vez, eu acho que se trata de transparência. Nós temos alguns programas de fidelidade, inclusive, tivemos toda a apresentação da Qantas falando sobre isso [saiba mais no artigo sobre o evento], porque a Austrália está na vanguarda desse desenvolvimento, eles estão tentando ir nessa direção. Mas, por outro lado, tivemos agora na Europa, nos últimos meses, não os programas de fidelidade, mas as companhias aéreas sendo acusadas por algumas organizações ambientais de greenwashing.

Então, nós fazemos isso e mais isso, mas as organizações dizem “OK, mas você ainda está poluindo”. Eu acho que é uma linha muito tênue para a indústria. Quero dizer, sim, você precisa sensibilizar as pessoas para essas questões, mas creio que não é necessariamente dever do programa de fidelidade fazer esse tipo de educação. As pessoas que viajam internacionalmente são geralmente pessoas instruídas e têm informações de outras fontes. Então eu acredito que se você for muito nessa direção, como programa de fidelidade, você está apelando a uma certa parte dos seus membros, mas os outros participantes, na minha opinião, terão um impacto oposto.

Ainda segundo pesquisa do TSI, 91% dos entrevistados estão dispostos a pagar por um programa de fidelidade desde que este lhes proporcione benefícios relevantes. Você acha que um programa de assinatura mais robusto, a exemplo do serviços de streaming, pode funcionar na indústria de viagens?

Ravindra Bhagwanani – Eu sei que definitivamente há mais necessidade disso. Nós vimos apresentações como a da Viva Aerobus, na qual isso ficou muito claro [saiba mais no artigo sobre o evento]. Portanto, temos um mercado para programas de fidelidade pagos, isso é um case de negócio claro. Além de ser uma espécie de fluxo de caixa antecipado para a empresa. E há uma margem para os programas de fidelidade, que são um alvo diferente, mas com uma pequena sobreposição entre eles.

E, novamente, a América Latina está na vanguarda quando se trata de programas por assinatura e não apenas de companhias aéreas de baixo custo. Como bem colocado na questão, a chave aqui é acertar a proposta de valor. Apenas pagar uma taxa inicial, uma taxa anual de US$ 100, e não receber nada em troca não faz sentido. Precisa fazer sentido. E no final das contas, se o consumidor não economizar mais ou tiver mais benefícios, essa taxa não funciona. Mas, claro, é uma situação ganha-ganha. Se alguém paga US$ 100 e você dá US$ 20 de desconto, os clientes ficam felizes e você, como empresa, garante essa receita adicional e faz com que eles gastem muito mais com você do que sem assinatura. Não posso validar todos esses 91%, mas parece-me absolutamente lógico que seja cerca de metade disso.

A pesquisa do TSI mostra também quais são algumas das expectativas dos brasileiros em relação aos programas. Quando questionados sobre o que mais estes poderiam fazer pelo consumidor, 43,5% responderam “me ensine a desenvolver um planejamento financeiro para realizar meus sonhos (estudos, viagens, etc.). Quanto aos benefícios, 49% prefeririam que suas marcas oferecessem milhas/pontos para passagens aéreas e 17,4%, diárias em hotéis. Portanto, viajar parece muito mais uma escolha emocional que pragmática. Como os programas brasileiros podem atender a essas expectativas?

Ravindra Bhagwanani – Acho que isso tem a ver também com os planos por assinatura, em termos de quem está caçando pontos e os programas brasileiros foram os primeiros a descobrir isso. Não me lembro historicamente se foi a Gol, quando lançaram um plano de assinatura, mas foi exatamente com essa ideia em mente. O valor emocional da viagem, como fazer isso? Ou você faz com o crédito, mas dessa forma é pós-viagem, ou você faz um pré-crédito, um pré-crédito-viagem, que é a compra de pontos.

Eu acho que foi muito inteligente seguir por esse caminho, mas obviamente o risco que você corre com essa abordagem é que você não pode mudar muito a desvalorização dos pontos. Então, se alguém tem um plano de comprar 50.000 pontos para chegar aos EUA e quando conseguir os 50.000 pontos o mesmo pedido custar 80.000, obviamente, você tem um problema. Portanto, é uma oportunidade, mas também um risco, pois ao desvalorizar você perde clientes ao longo do caminho. E, infelizmente, especialmente nos últimos dois a três anos, temos visto mais desvalorização de programas do que qualquer outra coisa nos mercados. E é aí que o equilíbrio certo precisa ser encontrado. Mas ao menos em teoria, sim, é uma grande oportunidade para os programas atenderem exatamente às nossas necessidades e surfarem nessa onda do valor emocional das viagens.

Que tendência em programas de fidelidade de viagens você destacaria para o futuro próximo?

Ravindra Bhagwanani – Acredito que, como estamos vendo no evento, não se trata apenas de transações de pontos, é realmente, e antes de tudo, sobre o aspecto emocional. E em segundo lugar, sobre o nível de personalização. Então, adotar uma abordagem “one fits all”, que a maioria dos programas, não apenas no Brasil, ainda está fazendo, apesar de funcionar até certo ponto, não funciona tão eficientemente quanto se eu dissesse: “Ei, vou pedir seus dados, sei que a cada três semanas você viaja de São Paulo para o Rio de Janeiro, então da próxima vez vou te dar um upgrade e você pode ir para um lounge ou algo assim”.

Isso gera um entendimento completamente diferente: “Ei, esses caras me conhecem!” E isso tem um impacto diferente. Em vez de te vender uma passagem ou tentar levá-lo para os EUA, embora você nunca vá para os EUA. Com todos esses dados disponíveis, nós realmente, como indústria, novamente, em nível global, não apenas no Brasil, precisamos começar a colher esses frutos ao alcance da mão. E é assim que a fidelização se torna muito, muito mais eficiente.