No Brasil, é perfeitamente comum comprar carne em um lugar, vegetais em outro e sair em busca de um terceiro só para encontrar aquele ingrediente especial da receita que você viu no Instagram — e que, provavelmente, nem vai ficar tão boa assim. As compras online fazem parte da nossa rotina, mas os folhetos de supermercado continuam aparecendo no portão. Em um mesmo consumidor, convivem a necessidade de experiência digital fluida e a busca presencial por variedade, frescor e preço. A verdade é que o cliente brasileiro gosta — e sabe — montar sua própria equação de valor percebido. E é justamente desse motor da fidelidade que vamos falar hoje.
Nosso recorte será o varejo, a partir do relatório Retail Preference Index (RPI) 2025, da Dunnhumby, que mapeou as dez empresas mais bem avaliadas do setor pelos consumidores brasileiros. As empresas no topo do ranking foram aquelas que conseguiram combinar com sucesso preço competitivo, sortimento amplo, experiência digital fluida e excelência operacional.
Mais do que agradar em uma visita, esses líderes se tornaram primeira escolha. O conceito de “mentalidade de carteira” ajuda a entender por quê: ao conquistar maior fatia da carteira de compras do consumidor, esses varejistas também registram crescimento mais sólido, visitas mais frequentes e vínculos sustentados por confiança. Em outras palavras, fidelizar é conquistar recorrência — e não apenas transações pontuais.
A quarta edição do RPI, ouviu mais de 6 mil compradores de supermercados em todo o país e revelou os principais fatores que impulsionam a lealdade. Para 65% dos consumidores, o fator mais relevante na escolha do varejista está ligado à percepção de valor — somando a escolha por preços baixos (34%) e por variedade de produtos (31%).
Mas o mais interessante é entender que valor percebido não é estático, é uma percepção em constante mudança, moldada pelo contexto econômico, pelas preferências individuais e pela experiência com a marca ao longo do tempo. É por isso que a entrega de valor precisa ser contínua e adaptável. Em mercados sensíveis ao preço, como o brasileiro, o fator econômico pesa mais. Mas isso não exclui os demais elementos. A qualidade, a conveniência, o relacionamento e a confiança também fazem parte da equação que sustenta a lealdade.
A pesquisa Preço vs Experiência – O que realmente fideliza no varejo (Varejo 180 + AGP) reforça que o diferencial competitivo vai além do preço. Os fatores mais citados para uma jornada positiva incluem ausência de filas, trocas descomplicadas, atendimento cordial, entregas rápidas e um ambiente descontraído. E ainda que o preço siga relevante, os consumidores destacam que segurança, conforto e acolhimento são aspectos que fazem com que voltem a comprar, mesmo quando o custo é mais alto. Ou seja, o diferencial competitivo deixa de ser apenas o produto ou o preço, e passa a ser o conjunto da experiência. É o “como” se compra que fideliza, e não apenas o “quanto” se paga.
No varejo alimentar, o ambiente digital ainda esbarra em desafios. Muitos consumidores não confiam na curadoria para itens frescos, como frutas, legumes e carnes. O toque, o cheiro, o contato direto com o produto ainda são elementos essenciais da experiência de valor. Por outro lado, atributos como agilidade na entrega, preços atrativos e possibilidade de troca na loja física são vistos como motivadores relevantes. Isso reforça que, para fidelizar no ambiente omnicanal, é preciso entregar valor percebido de forma consistente em todos os pontos de contato.
A percepção de valor é um alvo em constante movimento: muda com o tempo, com o perfil do cliente, com o cenário econômico e até com o estado emocional. O que fideliza hoje pode não fidelizar amanhã. Por isso, varejistas precisam operar com estratégias vivas, atualizadas com base em dados reais, escuta ativa e testes frequentes. A lógica do test and learn — com ciclos rápidos de aprendizado e adaptação — se torna essencial para manter a marca relevante e preferida na jornada de compra.
Oferecer pontos, descontos ou cashbacks pode ser o primeiro passo. Mas a fidelização verdadeira acontece quando há mudança de comportamento. Ou seja, quando o consumidor passa a visitar mais, comprar com mais frequência, aumentar o ticket médio ou priorizar a marca na comparação com concorrentes.
“A fidelização real acontece quando a marca deixa de ser uma escolha ocasional e passa a ocupar um espaço recorrente na rotina do cliente. Mais do que premiar o consumo, o desafio está em incentivar novos comportamentos, sejam mais visitas, maior ticket médio, maior share de carteira. Isso exige consistência na entrega de valor percebido.”
— Marcelo Custódio, CEO da Valuenet e professor da ESPM.
Essa mudança depende de personalização, benefícios contextuais, mecânicas de gamificação e experiências relevantes. Ou seja, mais do que táticas, exige um sistema capaz de identificar padrões, responder em tempo real e oferecer algo que o cliente realmente perceba como valor.
Para ilustrar como o valor percebido pode ser construído e atualizado ao longo do tempo, vale trazer um exemplo emblemático do varejo britânico. O programa Clubcard, da rede Tesco, foi criado em 1995, e fidelizou 8 milhões de clientes em seu primeiro ano. Em 2025, já são 23 milhões de lares participantes, com acesso a ofertas personalizadas em tempo real via app, integração com mais de 100 parceiros de recompensas e o modelo Clubcard Prices, com descontos exclusivos para membros.
Cada evolução do programa nasceu a partir da escuta ativa do cliente: fim do gasto mínimo para acumular pontos, criação de cartões-família, troca de pontos por benefícios em outros setores, experiências exclusivas. A fidelidade deixou de ser só transacional e passou a incorporar conveniência, recorrência e preferência genuína.
Voltando à nossa terra, é possível dizer que o consumidor brasileiro compara preços, sim — mas, sem dúvida, valoriza também a experiência, a variedade, a conveniência e o sentimento de estar sendo compreendido. O que move a lealdade no varejo é o conjunto desses fatores, reunidos em uma entrega de valor percebido que seja relevante, atualizada e consistente. É isso que transforma o preço em oportunidade, o sortimento em escolha e a experiência em preferência. E é isso que constrói lealdade de verdade.
>>>Este é o terceiro artigo da série sobre “diferentes motores da lealdade” no TSI. Aqui, o foco foi o motor do valor percebido — movido pelo equilíbrio entre preço competitivo, sortimento relevante e experiências que geram conveniência, recorrência e preferência.
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