Gamificação: o jogador virtual e os programas de incentivo

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Já comentamos bastante sobre gamificação e programas de incentivo aqui no TSI e sobre como as organizações têm utilizado essa técnica para estimular comportamentos e motivar parceiros, equipes e clientes. Hoje, gostaríamos de explanar porque as iniciativas que usam a gamificação para engajar seus participantes conseguem ser bem mais assertivas.

Para fazer isso, vamos entrar um pouco no universo de games online. Se você é um leitor assíduo do TSI, já sabe que gamificação não é um game em si. Nossa intenção aqui é explorar as motivações de jogadores virtuais. Além disso, apresentaremos formas de utilizar mecânicas de jogos a favor do engajamento dos participantes de programas de incentivo e das estratégias de fidelização.

O que aprendemos com o jogador online

Há algum tempo assistimos a um Ted Talks da desenvolvedora americana de games, Jane McGonigal. Jane fez um paralelo entre o comportamento de um jogador virtual e de indivíduos no mundo real. E foi assistindo a essa palestra que percebemos a relação entre esses jogadores e os participantes de programas de incentivo. Se entendermos esse ponto, podemos gerar diversos insights na hora de planejar estratégias de relacionamento para empresas.

Atualmente são despendidas em torno de 3 bilhões de horas semanais em jogos online em todo o mundo. Esse dado considera os mais de 500 milhões de jogadores. Ficam conectados ao menos 1 hora por dia. Mas por que os jogos virtuais são capazes de engajar tantos jogadores? Para compreender isso precisaremos entender um pouco mais do comportamento humano relacionado aos jogos virtuais.

Nossa urgência em resolver tarefas não terminadas

Você deve conhecer ou já ouviu falar sobre games famosos como Candy Crush ou Plants vs Zombies. São jogos que conquistaram tanto a atenção do público que despertaram o interesses de pesquisadores. O professor de psicologia e ciências cognitivas da Universidade de Sheffield, Tom Stafford, afirma que a explicação desse sucesso pode ser um fenômeno psicológico chamado de efeito Zeigarnik.

Trata-se de uma espécie de estratégia anti-procrastinação. Ou mesmo uma impressão de senso de urgência. E isso demonstra como tarefas incompletas, fixadas na memória, podem induzir as pessoas a resolvê-las com rapidez.

A busca pela vitória épica

Para conseguir sucesso em qualquer jogo você precisa de concentração, ou seja, um foco profundo para lidar com algum desafio realmente difícil. Sempre que estamos jogando, buscamos a chamada “vitória épica”.

Esse termo é aplicado a algo ou alguma tarefa em que o resultado é tão extraordinariamente positivo que você não tinha ideia de que era possível, até alcançá-lo. Mas normalmente o ser humano não atua com a mesma intensidade para solucionar problemas reais. Então por que somos melhores em jogos do que nas tarefas do dia a dia?

Virtual x realidade

Esse sentimento de que não somos tão bons na vida real tem uma explicação. No mundo virtual dos games conseguimos atingir o verdadeiro significado da palavra engajamento. O ser humano engajado não é necessariamente o bem-sucedido. Você o reconhece como aquela pessoa que está motivada em fazer algo, inspirada para colaborar e cooperar.

Ao contrário do que acontece quando sofremos derrotas na vida real, onde tendemos a nos sentir ansiosos e pessimistas, no mundo dos jogos temos muito mais facilidade para recomeçar após um fracasso. Enquanto jogadores, também estamos mais inclinados a ajudar os outros em momentos críticos e mais propensos a refletir sobre um problema ou desafio.

“Na sociedade atual, os jogos de computador e videogames estão satisfazendo as genuínas necessidades humanas que o mundo real tem falhado em atender. Eles oferecem recompensas que a realidade não consegue dar. Nos ensinam, nos inspiram e nos envolvem de uma maneira pela qual a sociedade não consegue fazer e estão nos unindo de maneira pela qual a sociedade não está”. – Jane McGonigal

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Entendendo a mecânica dos games

Em um primeiro momento, em qualquer jogo, você recebe uma missão adequada ao seu nível. A intenção é oferecer um desafio possível de ser superado, mas que exija algum esforço. Ao alcançar esse desafio, você ganha vários feedbacks positivos: pontos extras, mais vidas, mais utensílios, armas, etc. A grande sacada dos games é que é tão satisfatório estar próximo à essa vitória épica, que queremos gastar boa parte de nosso tempo livre com essa atividade.

Dessa forma, podemos observar que os games conseguem trabalhar outros atributos que vão muito além da diversão. Inspiração, satisfação, envolvimento e interação podem ser estimulados e, o melhor, em um ambiente totalmente imersivo.

Conforme McGonigal explica em sua palestra, existem quatro características fundamentais dos jogadores virtuais, que são a base de tudo que buscamos em um programa de incentivo efetivo:

1. Otimismo urgente:

O desejo de agir imediatamente para superar um obstáculo combinado à crença que teremos um bom percentual de sucesso. Jogadores sempre acreditam que a vitória é possível e que vale a pena tentar – e tem que ser agora!

2. Construção de relacionamento:

Games são ótimos em criar laços. Pesquisas mostram que gostamos mais das pessoas depois que jogamos com elas, mesmo que elas nos vençam. O motivo disso é que colegas de jogo obedecem às mesmas regras que você e dão valor aos mesmos objetivos.

3. Produtividade prazerosa:

Quando sabemos que estamos em um ambiente de jogo, conseguimos executar a tarefa não por obrigação, e sim, por prazer. Jogadores são propensos a trabalhar duro desde que lhe seja dado um missão justa.

4. Significado épico:

Jogadores amam ser desafiados e, claro, por grandes missões. Quem não gosta de vencer um desafio?

Gamificação para engajar

Brian Burke, em seu livro Gamificar, descreve a gamificação como uma técnica de engajamento que preza por recompensas – prioritariamente – intrínsecas, como a verdadeira forma de sustentar o relacionamento entre clientes (internos ou externos) e empresas.

Você pode notar que esse conceito é muito próximo do comportamento do jogador virtual, aquele que realmente conseguimos identificar como alguém engajado em uma atividade.

Imagino que sua mente deva estar fervilhando ideias para aumentar a produtividade e engajamento na sua empresa utilizando-se de estratégias de gamificação. A seguir, vamos refletir um pouco sobre como esse conhecimento pode ser aplicado na prática.

Gamificação e programas de incentivo

Uma forma de usar a gamificação para engajar participantes de programas de incentivo é transformar cursos de capacitação e treinamentos em algo mais atrativo. Um exemplo é a Academia de Liderança da Deloitte, multinacional de consultoria empresarial, que trocou o treinamento formal para executivos da empresa e clientes pela gamificação.

Antes, o curso tinha baixos números de adesão e conclusão. Desde a mudança, houve um aumento de 47% nos acessos dos usuários, que retornam ao site para fazer novas tarefas.

É importante saber que, além de gamificado, um programa de incentivo eficaz precisa ser personalizado e apoiado em tecnologias que ofereçam segurança para o usuário. Mais uma vez deixo claro que você não precisa de recursos tecnológicos para aplicar a gamificação para engajar e, sim, para lidar com a grande quantidade de dados que surgem a partir das interações com os participantes, para mensurar e analisar em tempo real o desempenho das campanhas e também para desenvolver aplicativos, etc.

Não esquecendo também que canais comunicação bem planejados para cada público são essenciais para que o programa de incentivo alcance seus objetivos.

É preciso ter cuidado ao usar gamificação para engajar. Nem toda estratégia inspirada em games será útil ao seu programa de incentivo. Saiba para quais você deve dizer sim ou não

Começar com uma vitória: SIM

Aquilo que aprendemos observando o comportamento do jogador online também se aplica ao participante de um programa de incentivo. A primeira experiência do usuário é essencial para motivá-lo e, lembre, os desafios precisam ser alcançáveis, mas também devem exigir algum esforço.

Mecânicas pouco relevantes: NÃO

Não crie regras que fujam do propósito do seu programa de incentivo ou que não façam sentido para a realização de uma tarefa proposta pelo programa. Foque nos objetivos do programa e, claro, no perfil dos participantes para definir mecânicas relevantes.

Incentivar a aversão à perda: SIM

Apresente o progresso do participante, mesmo que seja pequeno. As pessoas tendem a continuar a realizar tarefas em que já depositaram algum esforço. Um exemplo de aplicação dessa estratégia é a Khan Academy.

Nesse portal gratuito de educação, você recebe um e-mail ou um SMS encorajador toda vez que termina de assistir um vídeo ou finaliza um teste de aprendizagem, além de ser frequentemente lembrado de qual é o seu nível naquele determinado conteúdo e quanto você ainda tem para alcançar.

Criar mecânicas e regras complexas: NÃO

Exemplo: você precisa assistir ao vídeo e clicar no link que aparece aos 20 segundos. Ao abrir a página, irá aparecer um macaco rosa com um pote de ouro. Clique no pote, responda ao quiz, preencha o cadastro e, parabéns, você está participando de um sorteio para ganhar um ingresso de cinema.

Frustrante e cansativo, não? É preciso facilitar a vida do participante do programa de incentivo e também evitar situações que possam gerar atritos.

Incentivar o compartilhamento de experiências: SIM

Somos seres sociáveis. Temos necessidade de mostrar nossas conquistas. Além do mais, participantes satisfeitos atraem novos membros para programa.

Acreditar que só a gamificação vai salvar um programa de incentivo: NÃO

Se a sua empresa tem um programa que não está conseguindo alcançar os resultados esperados, infelizmente usar apenas gamificação para engajar seus participantes não será suficiente. O melhor a fazer nessa situação é repensar todos os pontos das suas ações de engajamento.

Também é importante desenhar ou aprimorar o seu programa de incentivo observando outras questões como: o seu fornecedor é especialista no desenvolvimento de ações de relacionamento para o seu segmento de negócio? Seu programa tem regras muito complexas? Você está usando o canal de comunicação adequado para seus públicos? Repense esses pontos e, claro, ao redesenhar seu programa, inclua a gamificação para engajar de fato os participantes.

A gamificação certamente fará a diferença no seu programa de incentivo. Mas não esqueça que ela é uma parte do programa. São necessárias múltiplas expertises para criar ações de incentivo de sucesso, ainda mais se estivermos falando de grandes empresas que possuem ações de relacionamento com inúmeros públicos, de diversos perfis.

Para saber mais:

  • Livro: Realidade em jogo: por que os games nos tornam melhores e como eles podem mudar o mundo, de Jane McGonigal. Editora Best Seller, 2012;
  • TedTalks: Jogando por um mundo melhor, Jane McGonigal;
  • Livro: Gamificar. Como a Gamificação Motiva as Pessoas a Fazerem Coisas Extraordinárias, de Brian Burke. Editora DVS, 2015;
  • Podcast Engajadores –  aborda tudo sobre gamificação, seus conceitos e aplicações, com David de Oliveira Lemes, doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUC-SP, onde é assessor da Divisão de Tecnologia da Informação e professor do Departamento de Computação; e Renato Carbone, publicitário, especialista em loyalty marketing e gerente de Planejamento e líder do Lab de Soluções na Valuenet.

Texto atualizado em outubro de 2021